Você já teve a sensação de estar revivendo o mesmo sonho diversas vezes? Talvez, desde a infância, você sonhe que está voando como um pássaro ou, mais recentemente, tenha começado a revisitar um determinado lugar ou situação enquanto dorme. Se um dia ruim no trabalho ainda desperta pesadelos de provas escolares, mesmo que você não seja estudante há anos, saiba que não está sozinho.
O fenômeno dos sonhos recorrentes

Pesquisas indicam que até 75% dos adultos experimentam pelo menos um sonho recorrente ao longo da vida. Esses sonhos podem variar: alguns se repetem de forma quase idêntica, enquanto outros apresentam temas, locais ou personagens semelhantes, mas com cenários diferentes. Essa flutuação diferencia os sonhos recorrentes dos pesadelos associados ao transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), nos quais memórias específicas da vida real são revividas com poucas alterações.
Apesar dos avanços nas pesquisas, os especialistas ainda não sabem exatamente por que experimentamos esses sonhos recorrentes. No entanto, novos estudos estão ajudando a identificar padrões em sua frequência e conteúdo, além de associá-los a eventos e emoções do dia a dia.
A predominância dos sonhos negativos

Um estudo de 2022 liderado por Michael Schredl, chefe do laboratório do sono no Instituto Central de Saúde Mental da Alemanha, revelou que dois terços dos sonhos recorrentes são considerados “negativamente carregados”. Os temas comuns incluem ser perseguido ou atacado, chegar atrasado a um compromisso ou falhar em alguma tarefa. Por outro lado, sonhos positivos recorrentes costumam envolver a sensação de voar ou a descoberta de um novo cômodo em casa.
A razão pela qual tendemos a ter mais sonhos negativos ainda é incerta. No entanto, Schredl sugere que os sonhos tendem a exagerar emoções ou situações do cotidiano. “No sonho, um pequeno incômodo pode se transformar em um sentimento muito mais intenso, mesmo que a conexão não seja evidente”, explica.
O papel da psicologia e da neurociência

A psicologia e a neurociência oferecem algumas pistas para compreender esse fenômeno. Um conceito relevante é o viés da negatividade, que nos faz dar mais atenção a pensamentos, emoções ou interações sociais desagradáveis do que a experiências positivas. Esse comportamento é resultado de um instinto de sobrevivência, que nos leva a resolver problemas que percebemos como ameaçadores. Durante o sono, nosso cérebro reduz a atividade em áreas associadas à lógica linear e ativa regiões ligadas à emoção, tornando os sonhos ainda mais intensos.
Estudar sonhos recorrentes é desafiador, pois controlá-los em experimentos é difícil. No entanto, eventos globais traumáticos, como os ataques de 11 de setembro e a pandemia de COVID-19, permitiram análises mais aprofundadas.
Sonhos recorrentes em momentos de crise

Deirdre Leigh Barrett, pesquisadora e autora do livro Pandemic Dreams (2020), analisou mais de 15 mil relatos de sonhos durante a pandemia. Seus estudos indicaram um aumento significativo de sonhos negativamente carregados, com temas de medo, doença e morte sendo duas a quatro vezes mais frequentes. Algumas narrativas comuns envolviam ver entes queridos falecerem, enxames de insetos (possivelmente associados à descrição do vírus como um “bug”) e desastres naturais, como tsunamis, que simbolizam algo avassalador.
No início da pandemia, os sonhos eram mais literais e provocavam mais ansiedade. Com o tempo, passaram a abordar situações de embaraço social, como esquecer de usar máscara em público. Isso reforça a “hipótese da continuidade”, que sugere que nossos sonhos refletem emoções e preocupações do dia a dia. “Se você não processa essas emoções durante o dia, sua consciência noturna tentará processá-las à noite”, explica Barrett.
Como lidar com sonhos recorrentes

Felizmente, existem formas de controlar sonhos negativos recorrentes. Uma das técnicas mais eficazes é a terapia de ensaio mental, na qual a pessoa reimagina o pesadelo com um desfecho positivo antes de dormir. Outra abordagem é manter uma boa “higiene do sono”. Segundo Nirit Soffer-Dudek, pesquisadora e psicóloga clínica da Universidade Ben-Gurion de Negev, manter um horário de sono regular, evitar telas antes de dormir e reduzir o consumo de cafeína ou álcool pode ajudar. “Dormir com um estado emocional equilibrado reduz as chances de sonhar com ansiedade”, aconselha.
Conclusão
Os sonhos recorrentes são um fenômeno comum e muitas vezes refletem nossos medos e preocupações diários. Embora não possamos evitá-los completamente, entender sua origem e adotar práticas saudáveis pode ajudar a amenizar seus efeitos. Quem sabe, com algumas mudanças, até consigamos transformar aqueles pesadelos persistentes em sonhos mais agradáveis!