Por que algumas pessoas não conseguem imaginar? O mistério da aphantasia

Por que algumas pessoas não conseguem imaginar? O mistério da aphantasia

A mente humana é uma máquina incrivelmente complexa e cheia de mistérios. Um desses mistérios é a aphantasia, uma condição em que as pessoas não conseguem gerar imagens mentais — ou seja, não conseguem “ver” com os olhos da mente. Para muitos, a capacidade de visualizar mentalmente objetos, cenas ou lembranças é algo natural. Porém, para quem tem aphantasia, essa habilidade está ausente. Um estudo recente, publicado na revista Current Biology, trouxe novas descobertas intrigantes sobre como o cérebro das pessoas com aphantasia pode processar imagens, mesmo que elas não consigam visualizá-las conscientemente.


O que é a aphantasia?

A aphantasia é uma condição rara em que a pessoa não consegue formar imagens mentais de forma vívida, como muitas pessoas fazem ao se lembrar de algo ou imaginar uma cena. Quando perguntado sobre uma lembrança visual, uma pessoa sem aphantasia pode “ver” mentalmente detalhes nítidos, como a cor de uma roupa ou o cenário de um lugar. Porém, para aqueles com aphantasia, essa capacidade é inexistente, e a mente não consegue criar esses quadros mentais.

Embora o fenômeno seja relativamente pouco conhecido, pesquisas sugerem que cerca de 2 a 3% da população mundial pode ser afetada por essa condição, embora ainda haja muito a ser descoberto sobre suas causas e mecanismos.


O que revela a nova pesquisa?

A pesquisa recente liderada pelo professor Joel Pearson, da Universidade de New South Wales, na Austrália, investigou como os cérebros de pessoas com aphantasia reagem a estímulos visuais. O estudo trouxe à tona descobertas fascinantes que ajudam a entender melhor como o cérebro dessas pessoas processa informações visuais — mesmo sem a capacidade de gerar imagens conscientes.

Durante o experimento, os pesquisadores usaram uma técnica chamada rivalidade binocular. Nesta técnica, são apresentadas duas imagens diferentes para cada olho simultaneamente, o que normalmente causa uma espécie de ilusão visual, onde as imagens alternam em nosso campo de visão. Em pessoas sem aphantasia, a forma como elas imaginam essas imagens pode influenciar a percepção do que veem, o que não ocorre nas mesmas proporções com pessoas com aphantasia.


O mistério da atividade cerebral

O estudo revelou algo surpreendente: ao usar a ressonância magnética funcional (fMRI) para monitorar a atividade cerebral, os pesquisadores descobriram que o córtex visual primário, a parte do cérebro responsável pelo processamento de informações visuais, se ativava tanto em pessoas com quanto sem aphantasia. No entanto, houve uma diferença crucial na intensidade dessa ativação. Pessoas com aphantasia mostraram uma atividade cerebral ligeiramente mais fraca ao observar as imagens, sugerindo que o processamento visual em suas mentes pode ser diferente ou mais “distante” do que em pessoas sem a condição.

O mais intrigante, no entanto, foi a descoberta de que a atividade cerebral relacionada à percepção de imagens não se correlacionava com a atividade gerada ao tentar imaginar essas mesmas imagens. Em pessoas sem aphantasia, o cérebro gerava respostas semelhantes tanto quando observavam uma imagem quanto quando tentavam imaginar essa imagem. Já nas pessoas com aphantasia, essas respostas não se sobrepunham, indicando que o processamento mental de imagens funciona de forma completamente distinta.


A conexão com a “percepção” e a “imaginação”

A pesquisa levantou uma questão profunda: se o cérebro das pessoas com aphantasia está claramente reagindo a estímulos visuais, por que essas pessoas não conseguem “ver” as imagens de maneira consciente? Segundo Pearson, os sinais do cérebro dessas pessoas podem estar se “distorcendo” ou “desviando” antes de chegar à percepção consciente. Como ele descreve, é como um mistério, algo que ainda precisa ser desvendado.

Essas descobertas reforçam a ideia de que a aphantasia não é apenas uma falha no processo de “ver” mentalmente, mas sim uma diferença fundamental na maneira como o cérebro lida com as imagens, tanto em termos de percepção quanto de imaginação.


O que isso significa para o estudo do cérebro?

O estudo de Pearson e seus colegas oferece uma nova perspectiva sobre como a aphantasia afeta a percepção e a geração de imagens mentais. Embora a pesquisa ainda esteja em seus estágios iniciais, ela propõe que o cérebro das pessoas com aphantasia pode, na verdade, “construir” as imagens de uma forma diferente — elas existem, mas talvez de maneira inacessível para a mente consciente.

O pesquisador admite que, como em um mistério policial, ainda há muitas perguntas sem resposta. O que é essa representação no córtex visual e por que ela permanece inconsciente para quem tem aphantasia? Pearson e sua equipe já estão planejando novas investigações para tentar entender melhor esse processo.


Conclusão

Embora o estudo sobre aphantasia ainda esteja em desenvolvimento, ele abre um novo campo de exploração sobre como nosso cérebro cria, processa e acessa imagens mentais. Para quem tem aphantasia, a vida pode ser uma experiência muito diferente — sem a rica tapeçaria de imagens mentais que muitos de nós tomamos como garantidas. No entanto, esse estudo também nos lembra que a mente humana é incrivelmente diversa e complexa, e há muito mais a aprender sobre como nosso cérebro opera.

À medida que mais pesquisas forem realizadas, talvez possamos entender melhor como essas imagens mentais são geradas, ou por que, para algumas pessoas, elas permanecem ocultas.


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