Mulheres são mais suscetíveis ao declínio cognitivo relacionado ao diabetes, aponta estudo

Mulheres são mais suscetíveis ao declínio cognitivo relacionado ao diabetes, aponta estudo

Um estudo recente revelou que mulheres têm uma maior vulnerabilidade ao declínio cognitivo acelerado quando não mantêm o controle adequado da glicemia, em comparação aos homens. Ao analisar dados de quase 4.000 pessoas, os pesquisadores observaram que, embora a memória não tenha sido identificada como uma das funções cognitivas prejudicadas, as chamadas funções executivas – que envolvem o controle emocional, o planejamento e a execução de ações – foram as mais afetadas. O estudo foi realizado por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em colaboração com a Universidade de São Paulo (USP) e a University College London (UCL), com apoio da FAPESP.


Desafios do diabetes e seu impacto no cérebro

O diabetes é uma doença crônica que pode afetar diversos órgãos, incluindo os rins, olhos, nervos e o cérebro. O excesso de glicose no sangue provoca lesões nos vasos sanguíneos, que, por sua vez, geram inflamação, aumentando o risco de complicações como gangrena, amputações e insuficiência renal. No caso do cérebro, essas lesões podem causar atrofia e afetar áreas chave como o hipocampo e o córtex pré-frontal, regiões envolvidas no controle das funções executivas.

De acordo com Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e orientador do estudo, o declínio cognitivo observado no estudo foi mais acelerado em mulheres com diabetes mal controlado. “Entre os homens, não encontramos uma associação entre diabetes e declínio cognitivo, independentemente do controle glicêmico”, afirmou Alexandre. Essa diferença de gênero destaca a necessidade de aprofundar o entendimento sobre como doenças como o diabetes afetam homens e mulheres de maneiras distintas.


Metodologia do estudo e a importância do controle glicêmico

O estudo, publicado na Journals of Gerontology Series A, acompanhou 3.984 pessoas com mais de 50 anos durante um período de oito anos. Os participantes fazem parte do Estudo Longitudinal Inglês de Envelhecimento (ELSA), conduzido pela University College London (UCL) e representando uma amostra representativa da população britânica. O objetivo principal foi examinar a relação entre diabetes e o declínio das funções cognitivas, com foco especial nas mulheres.

Para avaliar o controle glicêmico, os pesquisadores utilizaram os níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) – um indicador da quantidade média de glicose no sangue nos últimos três meses. Valores de HbA1c entre 6,5% e 7% são considerados indicativos de bom controle glicêmico, enquanto níveis superiores a 7% sugerem um controle inadequado.


Funções executivas e o impacto da glicemia elevada

As funções executivas, que englobam habilidades como planejamento, organização e controle emocional, foram as mais afetadas pelo diabetes mal controlado, conforme observado no estudo. “Surpreendentemente, não encontramos prejuízos significativos na memória, que normalmente é a primeira a ser afetada no início do declínio cognitivo”, explica Natália Cochar Soares, pesquisadora da FAPESP e autora do estudo.

De acordo com Soares, essa diferença ocorre porque o diabetes impacta áreas cerebrais associadas às funções executivas, como o córtex pré-frontal, e não necessariamente as regiões responsáveis pela memória. Essas áreas do cérebro estão relacionadas ao processamento de informações, tomada de decisões e regulação emocional, funções essenciais para a vida diária.


A explicação hormonal e social para o declínio cognitivo acelerado em mulheres

Os pesquisadores sugerem que os fatores hormonais podem contribuir para o maior risco de declínio cognitivo observado em mulheres. O estrogênio, um hormônio com propriedades neuroprotetoras, diminui durante a menopausa, o que pode aumentar a vulnerabilidade ao declínio cognitivo. Além disso, fatores sociais, como a diferença na escolaridade entre homens e mulheres, também desempenham um papel importante. A pesquisa indicou que as mulheres idosas do Reino Unido tinham, em média, menos anos de escolaridade que os homens, o que pode impactar sua capacidade de compensar danos cerebrais por meio da reserva cognitiva.


Implicações para a saúde pública

O estudo tem implicações importantes para a saúde pública, especialmente considerando o envelhecimento da população mundial. O controle glicêmico rigoroso é essencial para evitar não apenas as complicações associadas ao diabetes, como doenças cardiovasculares e insuficiência renal, mas também para preservar a função cognitiva ao longo do envelhecimento. “Um controle adequado da glicemia pode ajudar a prevenir danos a longo prazo nos vasos sanguíneos, que afetam órgãos vitais, incluindo o cérebro”, conclui Alexandre.

Em relação ao Brasil, o pesquisador acredita que os resultados do estudo podem ser ainda mais significativos devido à diferença na escolaridade entre idosos brasileiros e britânicos. “No Brasil, a média de escolaridade é geralmente mais baixa, o que diminui a reserva cognitiva e pode aumentar o risco de declínio cognitivo em pessoas com diabetes”, explica.


Conclusão

Este estudo reforça a importância de um controle rigoroso da glicemia para a saúde cerebral, especialmente para as mulheres. A relação entre diabetes e declínio cognitivo é complexa e envolve uma combinação de fatores biológicos, hormonais e sociais, que precisam ser mais bem compreendidos para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes. Manter os níveis de HbA1c abaixo de 7% é essencial para minimizar os riscos associados ao diabetes, garantindo uma vida mais saudável e com melhor qualidade cognitiva para as pessoas idosas.

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