Humanidade quase extinta? Um debate científico sobre nosso passado

Humanidade quase extinta? Um debate científico sobre nosso passado

Em agosto de 2023, um estudo publicado na prestigiada revista Science despertou intensas discussões na comunidade científica e no público em geral. A pesquisa sugeriu que os seres humanos enfrentaram um evento catastrófico há cerca de 900 mil anos, chegando à beira da extinção. O trabalho utilizou um modelo computacional inovador chamado FitCoal para analisar a história genética de mais de 3 mil indivíduos modernos.

O evento do “gargalo populacional”

Os cientistas investigaram as alterações acumuladas no DNA dessas pessoas ao longo do tempo. Entre os genomas africanos incluídos na análise, o FitCoal revelou sinais de um “gargalo populacional” ocorrido há aproximadamente 900 mil anos. De acordo com o estudo, cerca de 98,7% da população ancestral teria sucumbido, restando apenas 1.280 indivíduos sobreviventes na Terra — um número alarmantemente baixo para a sobrevivência de uma espécie.

A controvérsia sobre a metodologia

O FitCoal, no entanto, é alvo de críticas. Um dos principais céticos é Aylwyn Scally, pesquisador da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Em entrevista à IFLScience, ele afirmou que “as diferenças genéticas atuais são muito pouco informativas sobre eventos ocorridos além de 200 mil anos atrás”. Scally também destacou que outros modelos computacionais não conseguiram replicar os resultados obtidos pelo FitCoal.

Ferramentas estatísticas como o mushi (“inferência da história do espectro de mutação”) e o MSMC (Coalescente Markoviano Sequencialmente Múltiplo) são amplamente utilizadas para reconstruir tamanhos populacionais do passado. Contudo, essas ferramentas dependem de pressupostos relacionados às taxas de mutação, o que pode introduzir erros. Segundo Scally, “a realidade do que aconteceu é muito mais complexa do que nossos modelos simples conseguem representar”.

Evidências contrárias

Um estudo posterior, publicado na revista Genetics pela equipe da Universidade da Califórnia em Berkeley, apontou problemas no FitCoal. Os pesquisadores sugeriram que o modelo tem uma falha técnica que gera “gargalos populacionais” inexistentes. Eles também argumentaram que, se um evento de quase extinção realmente tivesse ocorrido, traços semelhantes deveriam ser encontrados em populações modernas fora da África, algo não observado na análise.

Scally reforça a importância de validações independentes: “Se apenas o seu método detecta um sinal específico, você precisa explicar por que ele é capaz de ver isso e outros não são. Mas eles não conseguem fazer isso no artigo”.

O que o futuro reserva para a pesquisa?

A discussão permanece aberta, com cientistas ao redor do mundo desenvolvendo novos estudos para validar ou refutar as conclusões iniciais. Independentemente do resultado final, o debate ressalta a complexidade da história evolutiva humana e a necessidade de ferramentas analíticas robustas para compreendê-la.

Ao que parece, as respostas definitivas sobre nossos ancestrais ainda estão distantes, mas cada nova descoberta nos aproxima mais da compreensão de como a humanidade superou desafios monumentais para se tornar o que é hoje.

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