Imagine que você está segurando dois cérebros humanos, cada um envolto em formol, com suas texturas enrugadas e cheios de mistérios. Ao olhar para um e depois para o outro, você seria capaz de distinguir qual é o cérebro masculino e qual é o feminino?
A resposta, surpreendentemente, é não. Mesmo com o avanço da ciência, não é possível identificar com precisão qual cérebro pertence a um homem e qual pertence a uma mulher apenas pela observação. E a razão para isso é que, ao contrário do que muitos podem pensar, os cérebros humanos não seguem um padrão binário claro entre os sexos. As diferenças são sutis e muitas vezes se sobrepõem, como explica o Dr. Armin Raznahan, chefe da seção de Neurogenômica no Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos.
“Não conheço nenhuma medida do cérebro humano em que as distribuições masculinas e femininas não se sobreponham”, afirma Raznahan. Essa constatação traz à tona uma pergunta ainda maior: até que ponto essas diferenças sexuais no cérebro têm implicações na forma como os cérebros funcionam e na suscetibilidade a doenças? Vamos explorar o que a ciência tem descoberto a respeito e como isso pode impactar tratamentos para doenças mentais e neurológicas.
Por que estudar as diferenças cerebrais entre homens e mulheres?

Estudar as diferenças cerebrais entre os sexos pode parecer, à primeira vista, uma busca por uma resposta simples. Porém, essa investigação possui implicações profundas, especialmente quando se considera como as doenças neurológicas e psiquiátricas se manifestam de maneira distinta entre homens e mulheres. A pesquisa de Dr. Yvonne Lui, vice-presidente do Departamento de Radiologia da NYU Langone, aponta que distúrbios como depressão, enxaqueca, esquizofrenia e autismo se manifestam de forma diferente entre os sexos. Compreender essas diferenças pode levar a tratamentos mais eficazes e específicos para cada sexo.
Estudos já mostraram que as mulheres têm uma taxa mais alta de depressão e enxaqueca em comparação aos homens, enquanto os homens são mais suscetíveis à esquizofrenia e ao autismo. Um exemplo interessante é o caso da Doença de Parkinson, que afeta mais homens do que mulheres, mas, quando mulheres contraem a doença, ela tende a avançar mais rapidamente. Esses dados sugerem que as diferenças sexuais podem influenciar tanto o surgimento quanto a progressão de várias condições cerebrais.
O que sabemos até agora?

Usando tecnologias avançadas de imagem cerebral, como a ressonância magnética (RM), cientistas começaram a identificar diferenças no tamanho, formato e espessura de várias estruturas cerebrais entre os sexos. No entanto, essas diferenças são pequenas e, muitas vezes, praticamente inexistem quando se leva em consideração a diferença de tamanho corporal entre homens e mulheres. O estudo de Lise Eliot, professora de neurociência na Universidade Rosalind Franklin, revelou que o cérebro masculino é, em média, 11% maior que o feminino na fase adulta, devido à diferença de tamanho corporal.
Contudo, quando se observa as diferenças de tamanho de estruturas específicas do cérebro, como o putâmen, tálamo e hipocampo, os resultados variam bastante. Embora em alguns estudos os homens mostrem um putâmen e tálamo maiores, enquanto as mulheres apresentam um hipocampo maior, essas variações são pequenas e não fornecem uma linha clara que permita identificar se o cérebro é masculino ou feminino.
Apesar disso, novas abordagens, como o uso de inteligência artificial (IA), começaram a revelar diferenças ainda mais sutis. Através de algoritmos avançados, cientistas analisaram imagens de ressonância magnética de mais de mil adultos jovens, detectando diferenças microestruturais no cérebro relacionadas ao sexo. Esses algoritmos conseguiram prever o sexo de um indivíduo com uma precisão de 92% a 98%, com destaque para áreas específicas da substância branca, que conecta diferentes regiões do cérebro.
O papel da IA na identificação de diferenças microestruturais

Pesquisas recentes indicam que a IA pode ser a chave para descobrir diferenças cerebrais ainda mais sutis entre homens e mulheres. Estudos, como o realizado em 2024, focaram na substância branca, as “fios de conexão” entre os neurônios, e encontraram padrões que podem ser usados para prever o sexo de uma pessoa com precisão impressionante. A utilização de IA permite que esses padrões sejam analisados em profundidade, oferecendo insights valiosos sobre como o cérebro funciona em um nível microscópico.
Diferenças cerebrais desde o nascimento

Interessante é o fato de que muitas das diferenças cerebrais entre homens e mulheres podem ser observadas já ao nascimento. Estudos realizados com mais de 500 recém-nascidos revelaram que os cérebros masculinos são, em média, 6% maiores do que os das meninas, mesmo depois de ajustadas as diferenças de peso ao nascer. Além disso, as meninas apresentaram uma maior proporção de matéria cinza em relação à matéria branca, algo que também é observado na vida adulta.
Essas diferenças iniciais são provavelmente de origem biológica, já que se mantêm consistentes desde os primeiros dias de vida. No entanto, algumas diferenças podem surgir ou desaparecer durante o desenvolvimento, especialmente com as mudanças hormonais associadas à puberdade, o que torna o estudo ainda mais complexo.
Como gênero e sexo influenciam o cérebro?

A grande questão que ainda permanece sem resposta é como as variáveis de sexo e gênero influenciam o cérebro. O sexo se refere a características biológicas, como cromossomos e hormônios, enquanto o gênero envolve aspectos culturais e sociais de identidade e comportamento. Embora os estudos frequentemente confundam esses dois fatores, pesquisas recentes, como a do estudo ABCD, estão começando a diferenciar as influências de ambos no desenvolvimento cerebral.
Esse estudo indicou que, enquanto as diferenças sexuais tendem a afetar redes cerebrais associadas a estímulos visuais, controle motor e regulação emocional, as diferenças de gênero estão mais relacionadas a redes cognitivas complexas, que envolvem várias áreas do córtex cerebral.
O futuro da pesquisa sobre diferenças sexuais no cérebro

A pesquisa sobre as diferenças sexuais no cérebro ainda está longe de uma conclusão definitiva, e muitos estudos ainda precisam ser realizados. Pesquisas com animais, especialmente com ratos de laboratório, têm mostrado como homens e mulheres formam diferentes conexões neuronais e processam memórias emocionais de maneira distinta. Para entender melhor as implicações dessas descobertas em humanos, é necessário um acompanhamento a longo prazo de indivíduos desde o nascimento, além de um estudo mais aprofundado dos cromossomos sexuais e de como as variações genéticas podem influenciar o tamanho e a estrutura cerebral.
Por exemplo, já se sabe que ter um cromossomo X a mais está associado a um maior risco de autismo, enquanto um cromossomo Y a mais também eleva as chances de desenvolvimento da condição. Esse tipo de pesquisa pode oferecer novos insights sobre como as diferenças genéticas influenciam a estrutura cerebral e, por consequência, as taxas de doenças psiquiátricas e neurológicas.
Conclusão
Embora a pesquisa sobre as diferenças cerebrais entre os sexos ainda tenha muitos desafios, ela abre portas para novas abordagens de tratamento para doenças mentais e neurológicas. Com o avanço da inteligência artificial e o acompanhamento detalhado do desenvolvimento cerebral desde o nascimento, os cientistas estão mais perto de desvendar as complexidades dessas diferenças. Esse conhecimento pode, no futuro, melhorar os tratamentos médicos, oferecendo terapias mais eficazes, que considerem as especificidades de cada sexo, gênero e suas interações culturais e biológicas.
As descobertas no campo das neurociências não apenas ajudam a refinar a medicina, mas também alimentam o eterno debate sobre a influência da natureza versus a cultura, revelando como os seres humanos são, ao mesmo tempo, profundamente diferentes e surpreendentemente semelhantes.