Entre a matemática e a alma, a fronteira entre a inteligência artificial e a criatividade humana

Entre a matemática e a alma, a fronteira entre a inteligência artificial e a criatividade humana

A inteligência artificial (IA) tem sido parte de nossas vidas por muitos anos, infiltrando-se silenciosamente nas plataformas digitais que habitamos diariamente. Mas até que ponto conseguimos compreender a verdadeira natureza da IA? Em um mundo onde a tecnologia avança rapidamente, muitos especulam que as melhorias constantes que estamos vendo podem um dia resultar em uma forma de inteligência capaz de superar a nossa própria. Mas será que estamos preparados para essa transformação? A questão da “sentiência” e do “agenciamento” nas máquinas é uma discussão intrigante e complexa, especialmente porque, como observa o tecnólogo Mike Pepi em seu livro Against Platforms: Surviving Digital Utopia (2025), é difícil medir com precisão esses conceitos, que são profundamente enraizados na subjetividade humana.


A utopia digital e o impacto das plataformas

A promessa inicial das tecnologias digitais era a de transformar a sociedade, tornando-a mais acessível e eficiente. No entanto, como Pepi argumenta, essa utopia parece estar se distanciando. As ferramentas digitais que fomos ensinados a considerar “neutras” carregam, na realidade, pressupostos perigosos que podem resultar em consequências inesperadas. A IA, por sua vez, é a tecnologia no centro de muitas dessas plataformas. Mas pode a IA algum dia emular os sentimentos humanos que nos movem, especialmente no contexto da arte?


Um mundo de surpresas ou de vazio?

Em uma visita à instalação Unsupervised de Refik Anadol no Museu de Arte Moderna (MoMA), a experiência foi, para muitos, um ponto de reflexão sobre o papel da IA na criação artística. A instalação, que utilizava algoritmos de aprendizado de máquina para reinterpretar e transformar a coleção do museu, apresentava animações digitais que, à medida que se desdobravam, se aproximavam de formas familiares. Mas a beleza dessas imagens não era fixa ou intencional — elas surgiam de maneira imprevisível, resultando em flashes ocasionais de beleza, mas também deixando a sensação de um vazio difícil de preencher. Anadol se referiu a esse fenômeno como um “elemento regenerativo de surpresa”, mas, ao observá-lo, me perguntei: seria possível encontrar uma verdadeira conexão emocional com o que via?

Em contraste, ao observar Christina’s World de Andrew Wyeth, uma pintura realista de uma mulher em um campo, a experiência foi completamente diferente. A obra não apenas convidava à reflexão sobre o contexto da imagem e a intenção do artista, mas também oferecia um espaço para perguntas e interpretações humanas que iam além do que os olhos podiam ver. A arte humana é carregada de camadas de significado, onde o artista comunica não apenas sua visão, mas também o seu “estado de espírito”, algo que a IA, por mais impressionante que seja, ainda não consegue replicar.


O vazio da arte gerada por IA

Enquanto a IA, como no caso de Unsupervised, tenta criar algo novo a partir de dados já existentes, o processo é fundamentalmente matemático e aleatório. O que vemos não é fruto de uma mente criativa, mas de um algoritmo que combina dados para gerar algo que, à primeira vista, pode parecer inovador. Anadol chama sua técnica de “pincel pensante”, mas, no final, o que ele está fazendo é apenas manipular números e probabilidades. Não há um pensamento verdadeiro por trás das imagens que surgem na tela, apenas uma reprodução matemática do que foi alimentado na máquina.

Por outro lado, a arte tradicional, como a de Wyeth, nos desafia a interagir com uma história, a tentar entender os sentimentos e pensamentos que o artista queria transmitir. A IA pode gerar imagens e até mesmo produzir música e texto, mas sem a capacidade de criar significado genuíno ou de se envolver emocionalmente com o espectador. O que é criado pela máquina é uma ilusão de criatividade, mas sem a essência da experiência humana.


O desafio da “criatividade” da IA

Recentemente, com o avanço das redes neurais generativas, como as utilizadas por ferramentas como ChatGPT, DALL-E e MidJourney, a IA conseguiu expandir suas capacidades criativas para a geração de conteúdo novo. Usando enormes quantidades de dados, essas IAs podem produzir imagens e textos que imitam, e muitas vezes ultrapassam, o que os humanos poderiam criar de forma convencional. No entanto, a questão permanece: será que isso é realmente “criar” algo novo?

A diferença fundamental entre a inteligência humana e a IA é que, enquanto a máquina pode combinar dados e gerar algo que parece inovador, a criatividade humana envolve mais do que apenas manipulação de informações. A verdadeira criatividade requer um entendimento profundo, uma perspectiva única e, talvez mais importante, uma conexão emocional com o que está sendo criado.


A falácia de comparar o cérebro humano com um computador

Imagem de uma rede neural artificial, ilustrando a complexidade dos algoritmos de IA.

Embora a metáfora do cérebro como um “processador de informações” tenha sido popularizada, ela é falha. O cérebro humano não é uma máquina que processa dados de maneira linear e rígida. Em vez disso, ele é um órgão capaz de pensamento abstrato, emoção e julgamento — aspectos que nenhuma máquina conseguiu replicar, até agora. O que a IA faz é imitar padrões, não pensar de forma autônoma.

Por mais avançadas que as máquinas se tornem, elas nunca terão “consciência”, “sentiência” ou “agenciamento” de verdade. Elas podem executar tarefas com eficiência impressionante, mas não têm a capacidade de sentir ou de se envolver de maneira significativa com o mundo da mesma forma que nós, seres humanos, podemos.


A impossibilidade de uma máquina com alma

A IA pode nos impressionar com sua capacidade de gerar conteúdo visual, textual ou musical, mas ainda estamos longe de alcançar uma verdadeira inteligência artificial que seja capaz de experimentar e expressar a complexidade do que significa ser humano. A arte gerada por IA, como vimos em Unsupervised, pode ser fascinante, mas ela nunca será capaz de capturar a profundidade da experiência humana. Em última análise, a verdadeira criatividade e a capacidade de gerar significado ainda pertencem aos seres humanos. A IA, por mais avançada que seja, permanece uma ferramenta — sem alma, sem intenção verdadeira, sem a capacidade de entender o que realmente significa “criar”.


Comments

No comments yet. Why don’t you start the discussion?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *