O transtorno bipolar (TB), uma condição psiquiátrica caracterizada por mudanças extremas no humor e na energia, afeta aproximadamente 1 em cada 150 adultos ao redor do mundo. Caracteriza-se por episódios de mania (estados de euforia) e depressão, além de episódios mistos, nos quais os sintomas de ambos os estados se combinam. Embora a biologia por trás desse transtorno seja ainda pouco compreendida, um novo estudo genético pode oferecer uma chave importante para desvendá-la, trazendo à tona quase 300 regiões do genoma humano que podem aumentar o risco de desenvolvimento do transtorno bipolar. Este estudo, publicado na revista Nature no dia 22 de janeiro de 2025, é o maior realizado até hoje sobre o tema e promete abrir novos caminhos para tratamentos mais eficazes.
A grande descoberta

Em uma análise aprofundada de DNA de cerca de 3 milhões de indivíduos, incluindo mais de 158 mil pessoas diagnosticadas com transtorno bipolar, cientistas identificaram 298 regiões do genoma que contêm variantes genéticas associadas ao aumento do risco de desenvolvimento do transtorno. A amostra foi composta por pessoas de diferentes origens étnicas: europeus, asiáticos, africanos e latinos de 27 países diferentes. Esse estudo é um marco, pois vai além dos grupos de ancestrais europeus que predominavam nas investigações anteriores, expandindo significativamente o entendimento sobre as origens genéticas do transtorno.
O que podemos aprender com a diversidade genética?

Entre as 36 variantes genéticas específicas identificadas, os pesquisadores observaram uma associação única em pessoas de origem asiática. Esta descoberta é especialmente interessante porque indica que certos fatores genéticos podem estar presentes apenas em grupos específicos. “Identificamos um locus de ancestralidade asiática oriental, associado ao transtorno bipolar, que não está presente em indivíduos de origem europeia ou afro-americana. Será importante entender como essa variante pode influenciar o risco”, comentou Kevin Sean O’Connell, principal autor do estudo, em uma entrevista.
Além disso, a pesquisa ampliou significativamente o número de regiões genéticas associadas ao transtorno bipolar, multiplicando por quatro as descobertas de estudos anteriores. Essa expansão pode fornecer novos insights sobre como o transtorno se manifesta em diferentes populações e também ajudar a criar tratamentos mais personalizados.
Lítio e a relação com o tratamento

O estudo revelou, ainda, informações valiosas sobre o tratamento do transtorno bipolar. O lítio, uma substância usada há décadas para estabilizar o humor de pacientes com transtorno bipolar, continua sendo uma das principais opções terapêuticas, embora o seu funcionamento no cérebro ainda não seja completamente compreendido. O estudo identificou duas variantes genéticas diretamente ligadas ao lítio, sugerindo que ele pode ter um impacto em certos genes que controlam o transtorno bipolar.
Apesar de sua eficácia, o uso do lítio pode causar uma série de efeitos colaterais, o que motiva os cientistas a buscar alternativas mais seguras. “Os antipsicóticos de segunda geração são outra opção, embora também tragam efeitos indesejáveis, como o aumento do risco de diabetes tipo 2”, explicou Chaya Bhuvaneswar, psiquiatra e diretora médica da North Suffolk Mental Health Association.
Avanços no entendimento biológico do transtorno bipolar

Entre as descobertas mais empolgantes do estudo, destaca-se a identificação de células cerebrais relacionadas ao transtorno bipolar. Clusters de genes conhecidos por estarem ativos em interneurônios gabaérgicos — células essenciais para a modulação da atividade neuronal — foram implicados como pontos chave no cérebro das pessoas com transtorno bipolar. Além disso, pesquisadores notaram uma possível relação entre os neurônios do pâncreas e do intestino com a condição, embora mais pesquisas sejam necessárias para confirmar esses achados.
Essas descobertas são um avanço significativo na compreensão das bases biológicas do transtorno bipolar. De acordo com Bhuvaneswar, “o estudo oferece evidências genéticas robustas de determinantes biológicos do transtorno bipolar”. Esse tipo de pesquisa pode ajudar a construir novas abordagens clínicas para tratar o transtorno e até mesmo ajudar a diferenciar as subcategorias do transtorno bipolar, como o bipolar I e II, que até hoje carecem de uma compreensão mais clara dos fatores genéticos específicos.
O futuro das pesquisas genéticas

Este estudo marca um passo importante no campo da psiquiatria de precisão. A análise de um grande banco de dados genético e a inclusão de diferentes origens étnicas possibilitam um panorama mais amplo e inclusivo do transtorno bipolar. Ao identificar não apenas variantes genéticas comuns a todas as populações, mas também aquelas específicas de grupos étnicos, os cientistas abrem caminho para tratamentos mais personalizados, levando em consideração a diversidade genética dos pacientes.
A descoberta de novas regiões do genoma ligadas ao transtorno bipolar também pode facilitar a identificação de novos alvos terapêuticos e a criação de medicamentos mais eficazes e com menos efeitos colaterais. No entanto, para que essas descobertas se traduzam em terapias concretas, mais pesquisas são necessárias, principalmente nas áreas farmacológicas, para entender melhor como esses genes e variantes influenciam o comportamento e a função cerebral.
Em resumo, este estudo internacional revela não apenas a complexidade genética do transtorno bipolar, mas também destaca o potencial da medicina de precisão para transformar o tratamento e a compreensão desta condição psiquiátrica. As novas descobertas podem não apenas esclarecer os fatores genéticos que contribuem para o transtorno bipolar, mas também abrir novas portas para tratamentos mais eficazes e seguros no futuro. O futuro da psiquiatria, com certeza, será profundamente impactado por essas descobertas.