Como o corpo humano resiste à exaustão extrema?

Como o corpo humano resiste à exaustão extrema?

Correr uma milha pode ser um desafio para muitas pessoas; já outras conseguem correr uma prova de 10K com facilidade. Mas existem aqueles que se aventuram ainda mais, desafiando seus próprios limites e se inscrevendo nas famosas ultramaratonas, corridas com distâncias superiores a 42,2 km. Contudo, surge a grande pergunta: até onde um ser humano pode correr sem parar?


O limite da resistência humana

Responder a essa questão não é simples, pois, primeiro, precisamos definir o que significa “parar”. O recorde não oficial para a corrida mais longa sem dormir é de Dean Karnazes, que percorreu 563 km em 2005, sem descanso, durante três dias e meio. Mais recentemente, em 2023, o ultramaratonista Harvey Lewis superou esse feito em um tipo de corrida chamada backyard ultra. Nesta modalidade, os corredores completam um loop de 6,7 km a cada hora, ininterruptamente, até que reste apenas um corredor. Lewis completou 108 voltas, totalizando impressionantes 724 km, correndo por 4,5 dias seguidos, com intervalos de descanso mínimos entre as horas.

Esses feitos extraordinários são possíveis devido ao tipo de descanso que esses corredores podem tirar ao longo do percurso. Por exemplo, pausas para comer, ir ao banheiro, amarrar os tênis ou, em algumas modalidades, até dormir. Portanto, embora o recorde de “corrida ininterrupta” não exista oficialmente, a necessidade biológica de fazer pausas para atender a necessidades físicas, como urinar, parece ser o maior fator limitante.


Adaptação ao esforço extremo

A física humana tem se mostrado adaptada para a resistência em corridas de longa distância. De acordo com a fisicista e ultramaratonista Jenny Hoffman, que possui o recorde mundial de travessia mais rápida dos EUA a pé por uma mulher, o segredo está nas adaptações evolutivas que o corpo humano desenvolveu ao longo de milênios. A musculatura glútea, por exemplo, é mais desenvolvida em seres humanos, o que facilita o impulso para frente, e a nossa capacidade de armazenar energia elástica nos tendões e músculos torna as longas distâncias mais viáveis.

Além disso, a habilidade de regular a temperatura corporal por meio da transpiração é um grande trunfo dos humanos. Mesmo em ambientes extremamente quentes, conseguimos manter a temperatura central do corpo em níveis seguros, o que é uma vantagem significativa em relação a outras espécies.

Entretanto, é importante frisar que, apesar de essas adaptações, os seres humanos não evoluíram especificamente para percorrer distâncias tão extremas. “Por grande parte da nossa história, a sobrevivência exigia esforços contínuos e imediatos, mas nunca pensamos em correr distâncias absurdas”, explica o biólogo evolucionista Daniel Lieberman. Em outras palavras, o corpo humano não foi projetado para correr ultramaratonas, mas, com treinamento adequado e uma boa nutrição, somos capazes de desafiar nossos limites naturais.


Superando a dor e o cansaço

A resistência mental desempenha um papel crucial em corridas de ultradistância. Para continuar correndo por dias, os ultramaratonistas precisam superar não só a dor física, mas também o esgotamento mental. “A maior limitação da resistência humana está na mente”, afirma Lieberman. Isso significa que, embora o corpo possa chegar a um ponto de exaustão, a determinação e a força mental podem ser as chaves para continuar, mesmo quando o corpo já implora por descanso.

Para alcançar esses feitos, os corredores de ultramaratonas passam por anos de treinamento intensivo. Jenny Hoffman, por exemplo, treinou correndo até 320 km por semana para garantir que seu corpo estivesse pronto para suportar as longas distâncias, além de aumentar sua força óssea para resistir ao impacto contínuo com o solo.


O crescimento das ultramaratonas

À medida que as ultramaratonas ganham popularidade, mais pessoas estão se desafiando a participar dessas corridas extremas. Entre 1996 e 2020, a participação em ultramaratonas cresceu impressionantes 1.676%. Com isso, é possível que novos recordes sejam quebrados à medida que os corredores continuam a desafiar seus próprios limites.

Como diz Jenny Hoffman, “Acredito que esse limite continuará sendo empurrado para frente”. E com o aumento da popularidade das ultramaratonas, não seria surpreendente ver ainda mais corredores superando barreiras que antes eram consideradas intransponíveis.


Conclusão

A capacidade humana de correr longas distâncias é um testemunho das adaptações evolutivas que nos permitem persistir. Com o treinamento adequado e a força mental necessária, os ultramaratonistas são capazes de realizar feitos extraordinários que desafiam as leis da fisiologia humana. Mas até onde podemos ir? Só o tempo e a determinação dos corredores mais ousados irão nos dizer.


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