A história da evolução humana é cheia de mistérios fascinantes, muitos dos quais ainda permanecem sem resposta. No entanto, uma nova pesquisa científica revelou um panorama surpreendente sobre como os seres humanos modernos se formaram ao longo de um processo que envolveu antigas populações que, de uma forma quase mágica, deixaram suas marcas em nosso DNA. Descobriu-se que nossos ancestrais se separaram de uma população misteriosa há cerca de 1,5 milhão de anos, para depois se reconectar com ela cerca de 300.000 anos atrás. O mais impressionante de tudo é que essa antiga população desconhecida contribuiu com cerca de 20% do nosso DNA, e seus genes podem ter sido cruciais para o desenvolvimento de nossas habilidades cerebrais.
O modelo genético Cobraa

Publicado em 18 de março de 2025 na renomada revista Nature Genetics, um estudo inovador trouxe à tona uma nova metodologia de modelagem genética, chamada cobraa. A aplicação dessa técnica permitiu que os pesquisadores fizessem uma reconstrução detalhada da evolução dos seres humanos modernos (Homo sapiens), através do estudo das variações genéticas que chegaram até nós. Com a ajuda de dados genéticos do 1000 Genomes Project e do Human Genome Diversity Project, a equipe de cientistas descobriu que, há 1,5 milhão de anos, duas grandes populações ancestrais se separaram, dando origem ao que agora chamamos de População A e População B.
Logo após essa separação, a População A passou por um evento de redução populacional, conhecido como “efeito gargalo”, o que significa que a diversidade genética dessa população foi severamente reduzida. No entanto, com o tempo, a População A se expandiu novamente, e grupos como os Neandertais e Denisovanos se ramificaram a partir dela. O estudo revelou ainda que, há cerca de 300.000 anos, a População A se misturou com a População B, o que resultou na combinação genética que formou o ser humano moderno.
O impacto da população B no nosso DNA

A contribuição da População B para o nosso genoma moderno não é pequena: 20% do DNA dos humanos atuais vem dessa antiga população. Mas o que torna essa descoberta ainda mais intrigante é que os genes dessa População B parecem ter desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento das funções cerebrais e do processamento neural dos seres humanos. Essa contribuição pode ter sido responsável por aprimorar as capacidades cognitivas que nos distinguem de outras espécies.
“Alguns dos genes da População B, especialmente os relacionados à função cerebral e ao processamento neural, podem ter desempenhado um papel crucial na evolução humana”, disse Trevor Cousins, coautor do estudo e estudante de pós-graduação em genética na Universidade de Cambridge. Embora a mistura genética entre essas duas populações tenha diminuído a fertilidade dos indivíduos, Cousins explica que o genoma é extremamente complexo, e partes dele que não estão diretamente envolvidas com os genes também podem desempenhar funções importantes.
Populações fantasmas – O que são e qual seu papel na evolução humana?

A questão de qual exatamente foram essas populações misteriosas tem intrigado os cientistas por décadas. No estudo, os pesquisadores mencionam que várias populações de Homo erectus e Homo heidelbergensis que viveram tanto na África quanto em outras regiões durante o período relevante podem ser candidatas para as linhagens A e B. No entanto, o modelo genético atual não é capaz de identificar quais fósseis pertencem a essas populações. “Podemos apenas especular”, afirmou Cousins.
Alguns especialistas se referem a essas populações antigas como “populações fantasmas”, uma forma de falar sobre grupos que se ramificaram e depois se reconectaram através do intercruzamento, resultando em um fluxo genético. O antropólogo biológico John Hawks, da Universidade de Wisconsin-Madison, que não participou do estudo, comentou sobre essa questão: “O que é interessante neste estudo é que o modelo revela uma estrutura africana profunda, compartilhada por todos os humanos modernos. Não são ‘populações fantasmas’ contribuindo para um grupo específico, é um grande ‘fantasma’ que se fundiu com a população africana que deu origem a todos nós.”
A complexidade do passado humano

O estudo trouxe à tona uma reflexão crucial sobre a evolução humana: a ideia de que as espécies evoluem de forma linear e em linhagens distintas parece ser excessivamente simplista. O que realmente está acontecendo na evolução das espécies é muito mais intricado. A inter-reprodução e o intercâmbio genético desempenharam um papel fundamental no surgimento de novas espécies ao longo da história do reino animal.
“Está ficando claro que a ideia de espécies evoluindo em linhagens distintas é simplista demais. O intercruzamento e a troca genética provavelmente desempenharam um papel majoritário no surgimento de novas espécies repetidamente no reino animal”, afirmou Cousins.
O futuro das descobertas genéticas

Embora o modelo apresentado seja uma grande inovação, ele também enfrenta críticas. John Hawks aponta que a amostra genética do 1000 Genomes Project tem uma representação insuficiente de populações africanas, o que limita a aplicação do modelo como um guia definitivo para entender a evolução humana. Mesmo assim, o estudo oferece uma prova de princípio fascinante sobre como as populações ancestrais contribuíram para a formação do ser humano moderno.
À medida que a ciência avança e mais dados genéticos se tornam acessíveis, é provável que novas descobertas sobre nossos antepassados surjam. O que parece claro é que, por trás de nossa história evolutiva, há uma rede complexa de interações entre diversas populações, que, por meio de misturas e trocas genéticas, moldaram o Homo sapiens como conhecemos hoje.
A verdadeira essência da evolução humana está muito além de uma simples linha do tempo. Cada pedaço do nosso DNA carrega uma história de encontros e desencontros, de vidas que se cruzaram e influenciaram o curso da nossa espécie de formas que ainda estamos descobrindo. A jornada da humanidade é, sem dúvida, mais rica e complexa do que jamais imaginamos.
Esse estudo não só expande nosso entendimento sobre as origens humanas, mas também reforça o quanto ainda há a descobrir sobre o que realmente nos faz quem somos.