A mega inundação que reconectou o mar mediterrâneo ao atlântico

A mega inundação que reconectou o mar mediterrâneo ao atlântico

Entre aproximadamente 5,97 e 5,33 milhões de anos atrás, durante a crise de salinidade messiniana (MSC), o Mar Mediterrâneo passou por um período de isolamento temporário do oceano global. Este evento catastrófico levou a um rebaixamento significativo do nível do mar, estimado em vários quilômetros, e à deposição em larga escala de sais. A quantidade de rochas evaporíticas geradas neste período foi de cerca de 1 km³, o que resultou no sequestro de aproximadamente 5% dos sais oceânicos globais. Este processo envolveu um influxo intermitente de águas do Atlântico, que forneceu os íons necessários para a deposição de sal, além da contribuição de íons advindos do escoamento dos rios da região.

Inicialmente, acreditava-se que o retorno às condições marinhas estáveis no final da MSC ocorreria de forma gradual, com a água do Atlântico entrando no Mediterrâneo por meio de uma cachoeira no Estreito de Gibraltar. Embora tenha sido prevista uma inundação “instantânea” do Mediterrâneo, os primeiros modelos sugeriam que o processo de reabastecimento levaria até 10 mil anos. No entanto, evidências de reflexão sísmica revelaram a existência de um canal de erosão, estendendo-se do Golfo de Cádiz, no Oceano Atlântico, até o Mar de Alboran, indicando a ocorrência de um evento catastrófico único: a megainundação Zancleana.


A megainundação de Zanclean

A megainundação Zancleana é considerada um dos maiores eventos de inundação conhecidos na Terra, com dimensões estimadas entre uma a duas ordens de magnitude maiores do que eventos documentados do Pleistoceno, induzidos pela desintegração da camada de gelo do hemisfério norte. Este evento foi causado pelo transbordamento das águas do Atlântico através de um istmo messiniano próximo ao moderno Estreito de Gibraltar, o que inicialmente encheu o Mediterrâneo ocidental. Posteriormente, a água transbordou sobre o Sill intrabacial da Sicília, preenchendo o Mediterrâneo oriental.

Estudos indicam que a descarga de água durante a megainundação foi de 68 a 100 Sverdrups (Sv = 1 milhão de metros cúbicos por segundo), com uma duração que variou de 2 a 16 anos. O pico de descarga e a velocidade da água ocorreram principalmente durante o transbordamento através do Sill da Sicília. O evento teria sido de uma magnitude tão extrema que é considerado o maior conhecido no sistema solar, comparável apenas a alguns dos maiores cataclismas em outros corpos celestes.


Evidências geológicas e erosivas da megainundação

A hipótese da megainundação é apoiada por várias observações geológicas. Em afloramentos e amostras de perfuração, um limite nítido foi encontrado, marcando a transição entre sedimentos rasos e não marinhos para depósitos profundos de água marinha. Além disso, sapropéis apontam para uma transferência substancial de sal do Mediterrâneo ocidental para o oriental, reforçando a ideia de um evento de grande magnitude.

Outras características erosivas e deposicionais associadas à megainundação incluem um canal enterrado de 390 km de comprimento e megabares de 35 km de comprimento perto do Estreito de Gibraltar. No sudoeste da Sicília, depósitos de areia de contorno de 5 a 7 metros de espessura foram interpretados como formados por correntes de fundo durante a reconexão de corpos d’água isolados.

A geologia e a geomorfologia da região do Sill intrabacial da Sicília, situada a cerca de 60 km a sudeste da frente do Cinturão de Dobra e Empurrão da Sicília, são fundamentais para entender o impacto da megainundação. O Sill, uma região deprimida de 13 km de largura com tendência NE-SW, passou por um processo de extensão tectônica e subsidência durante o Mioceno, sendo elevado desde o Plioceno, juntamente com o Planalto Hyblean. A atual elevação do Sill permite uma análise mais precisa dos depósitos gerados por este evento cataclísmico.


Desafios na validação da hipótese

Apesar das evidências apontando para uma megainundação de grande escala, a hipótese ainda é objeto de debate. A interpretação dos dados geofísicos e a modelagem topográfica têm limitações, incluindo a baixa resolução das informações sobre a paleogeografia da região. Cenários alternativos também foram sugeridos, como a ideia de que a bacia do Mediterrâneo foi preenchida por água proveniente do Mar Negro (antiga Paratethys) antes de um influxo do Atlântico. No entanto, a caracterização direta das evidências geológicas e a modelagem numérica do fluxo de água ajudam a fortalecer a hipótese da megainundação Zancleana como o principal evento responsável pela reconexão do Mediterrâneo com o Atlântico no final da MSC.


Conclusão

A megainundação Zancleana, que ocorreu ao final da crise de salinidade messiniana, não apenas transformou a geologia do Mar Mediterrâneo, mas também teve implicações significativas para a biodiversidade e os ecossistemas da região. A transição do Mediterrâneo de um ambiente severamente isolado e hipersalino para um mar novamente aberto e conectado ao oceano global representou uma das maiores reconfigurações naturais da história geológica recente.

Estudos adicionais e investigações de campo continuam sendo essenciais para aprofundar o entendimento sobre o evento, suas causas e suas consequências para a geologia e a biologia do Mediterrâneo.

Essa pesquisa tem o potencial de fornecer insights valiosos não apenas sobre o passado geológico da Terra, mas também sobre os processos que moldam os oceanos e as bacias marítimas do nosso planeta.

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