A descoberta de microplásticos no cérebro humano e seus efeitos na saúde

A descoberta de microplásticos no cérebro humano e seus efeitos na saúde

Os microplásticos, partículas diminutas com menos de 5 mm, estão presentes em todos os aspectos da nossa vida cotidiana, sendo invisíveis a olho nu. Embora pequenos, eles têm se espalhado rapidamente pelo ambiente, encontrando seu caminho em uma vasta gama de produtos e alimentos que consumimos. Eles estão no mexilhão fresco comprado direto do pescador, nas frutas e legumes da feira, nos alimentos industrializados do mercado, e até mesmo em bebidas como cerveja, chá, leite, e água engarrafada. Surpreendentemente, até o solo e o ar contêm essas partículas, tornando-se um fenômeno onipresente no nosso planeta.


Recentemente, cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) fizeram uma descoberta alarmante: microplásticos foram encontrados no cérebro humano. A pesquisa foi liderada pela patologista Thais Mauad, pelo engenheiro ambiental Luís Fernando Amato Lourenço, e pela bióloga Regiani Carvalho de Oliveira. Com o apoio da FAPESP e da organização holandesa Plastic Soup Foundation, o estudo revelou a presença de microplásticos no cérebro de oito pessoas que viveram por pelo menos cinco anos na cidade de São Paulo.

Após o falecimento dessas pessoas, suas amostras cerebrais foram analisadas, e partículas microscópicas de plástico foram identificadas no bulbo olfatório, uma estrutura no interior do crânio, logo acima do nariz. Este bulbo, responsável por detectar odores, é uma via direta para o cérebro, facilitando a entrada de partículas externas. Ao ser um ponto de contato com o ar e as substâncias químicas que respiramos, o bulbo olfatório pode ser uma porta de entrada para microplásticos e outros agentes no cérebro.


Metodologia rigorosa para isolamento de microplásticos

Para coletar e analisar as amostras, os pesquisadores adotaram um protocolo extremamente rigoroso. Equipamentos, como seringas de vidro, que não eram usados há mais de 40 anos, foram resgatados. Além disso, os utensílios passaram por uma limpeza cuidadosa com água filtrada e acetona, e todos os materiais plásticos foram substituídos por vidro ou alumínio para evitar contaminação. A manipulação das amostras exigiu o uso de roupas de algodão para eliminar qualquer risco de contaminação externa.

As amostras de bulbo olfatório foram congeladas e cortadas em lâminas de apenas 10 micrômetros de espessura, o que equivale a 0,01 mm, e foram analisadas em um laboratório especializado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, utilizando a radiação infravermelha gerada pela fonte de luz do Sirius, uma das mais avançadas do mundo.


Resultados preocupantes: microplásticos no cérebro humano

Em cada amostra de bulbo olfatório analisada, foram encontrados de 1 a 4 fragmentos de microplástico, com tamanhos variando entre 5,5 µm e 26,4 µm — um tamanho comparável ao das bactérias e até menor que o das células humanas. Aproximadamente 75% dos microplásticos estavam na forma de fragmentos ou esferas, enquanto os outros 25% eram fibras. A maioria dos fragmentos era composta de polipropileno (PP), o segundo polímero plástico mais produzido no mundo, utilizado em uma infinidade de produtos, desde embalagens a equipamentos médicos.

A descoberta de microplásticos no cérebro é particularmente alarmante, pois o cérebro humano é protegido por uma barreira chamada barreira hematoencefálica, que impede a entrada de muitas substâncias do sangue. Para que partículas consigam atravessar essa barreira, é necessário que elas possuam propriedades especiais. Isso levanta questões sobre os possíveis efeitos desses microplásticos, que podem interagir com as células e biomoléculas cerebrais, influenciando a saúde do sistema nervoso.

O químico Henrique Eisi Toma, do Instituto de Química da USP, destaca que, além de ser difícil para as moléculas atravessarem a barreira hematoencefálica, as partículas de microplástico, sendo pequenas e fragmentadas, podem penetrar de maneiras que ainda não entendemos completamente. Os impactos dessa exposição no cérebro são preocupantes e exigem mais investigações.


O estudo dos microplásticos em outros órgãos e seus efeitos

Além do estudo realizado na FM-USP, outro estudo, realizado nos Estados Unidos, sugere que o cérebro pode acumular microplásticos mais do que outros órgãos. Este estudo, ainda não publicado, comparou a presença de microplásticos no cérebro, fígado e rins de 30 pessoas e constatou que as concentrações no cérebro eram até 20 vezes maiores do que nas outras partes do corpo. O polietileno foi o microplástico mais abundante encontrado, o que pode indicar sua prevalência em alimentos e embalagens plásticas.

Ainda não está claro qual o impacto desses microplásticos em nossa saúde, mas os pesquisadores sabem que, em estudos com animais, a presença de microplásticos em diferentes tecidos tem gerado inflamação, aumento das espécies reativas de oxigênio nas células, além de causar danos celulares e morte celular. Esses efeitos podem afetar a regeneração e o desenvolvimento dos órgãos.


Como os microplásticos entram no corpo humano?

As principais vias de entrada dos microplásticos no corpo humano são pela ingestão de alimentos e bebidas contaminados e pela respiração de partículas suspensas no ar. Estudos com animais de laboratório sugerem que, embora a maioria dos microplásticos não consiga atravessar as barreiras do corpo, as partículas menores, como os nanoplásticos, podem facilmente atingir a corrente sanguínea e se espalhar pelos órgãos, onde podem se acumular.

O impacto dos microplásticos na saúde humana ainda é um campo em desenvolvimento, mas já se sabe que, quando essas partículas entram no organismo, elas podem desencadear inflamação e reações imunes adversas. Além disso, microplásticos podem atuar como transportadores de substâncias químicas perigosas, amplificando seus efeitos nocivos.


O desafio de controlar a contaminação por microplásticos

A produção de plásticos continua a crescer, e, com ela, a quantidade de micro e nanoplásticos que chegam ao meio ambiente. Estima-se que a produção de plásticos tenha aumentado 50% na última década, alcançando 460 milhões de toneladas em 2019. A poluição por microplásticos é uma preocupação crescente, pois esses materiais não são biodegradáveis e podem continuar a afetar o ambiente e a saúde humana por séculos.

A solução para o problema da poluição por plásticos exige ações coordenadas em nível global. Em novembro de 2024, um tratado internacional para reduzir a poluição plástica foi discutido, mas não chegou a um consenso. Especialistas alertam que, apesar das dificuldades políticas, a precaução e as ações preventivas devem ser tomadas urgentemente para minimizar a exposição a esses poluentes.


Conclusão

Embora seja impossível eliminar completamente os microplásticos de nossas vidas, é possível tomar medidas para reduzir nossa exposição. Reduzir o uso de plásticos descartáveis, evitar roupas de fibras sintéticas e consumir menos alimentos e bebidas embalados em plástico são algumas das estratégias que podem ajudar a minimizar o contato com esses poluentes.

Enquanto isso, a pesquisa continua, e novos estudos são necessários para entender melhor os efeitos dos micro e nanoplásticos na saúde humana e no meio ambiente. O que está claro é que a ação preventiva e a conscientização são passos essenciais para enfrentar esse desafio crescente.


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