Quanto do seu cérebro você realmente precisa para sobreviver?

Quanto do seu cérebro você realmente precisa para sobreviver?

Talvez você já tenha ouvido o famoso mito de que usamos apenas 10% do nosso cérebro. Isso não poderia estar mais longe da verdade — na realidade, usamos praticamente todo o cérebro o tempo todo. Mas, para aqueles que sofreram um AVC, lesões cerebrais traumáticas ou até mesmo cirurgias de remoção de partes do cérebro, as coisas ficam mais nebulosas. Algumas dessas situações mostram que é possível viver sem uma parte significativa do cérebro, ou até mesmo com o cérebro comprometido, e ainda assim funcionar normalmente. Mas afinal, quanto do nosso cérebro realmente precisamos para sobreviver?


O mistério da recuperação cerebral

Os cientistas ainda estão investigando essa questão, e a resposta provavelmente não será simples. A recuperação de uma pessoa após sofrer algum tipo de dano cerebral — ou mesmo quando falta uma parte do cérebro — pode depender de inúmeros fatores, como a área afetada, como e por que a região foi comprometida e, claro, a idade da pessoa quando isso aconteceu.

A surpresa é que, em alguns casos, uma pessoa pode viver e até funcionar normalmente com partes do cérebro comprometidas, ou até ausentes.


Viver com um cérebro “incompleto”

Tomemos como exemplo o caso de EG, uma mulher que, durante um exame médico de rotina, descobriu que estava sem toda a parte esquerda do lobo temporal, uma região do cérebro localizada perto da orelha, responsável pelo processamento auditivo, memória e linguagem. Essa condição era resultado de um cisto que se formou em sua infância, afetando essa área do cérebro.

Apesar de estar sem uma parte significativa de seu cérebro, EG vive uma vida completamente normal. Embora o lobo temporal esquerdo seja crucial para as funções linguísticas, ela conseguia ler normalmente, tinha um vocabulário acima da média e até falava russo como segunda língua.

A neurocientista Evelina Fedorenko, do MIT, descobriu que o cérebro de EG havia se “reprogramado” para compensar a falta dessa região. Em pessoas com cérebros típicos, as tarefas relacionadas à linguagem ativam o lobo temporal esquerdo, mas no caso de EG, essas atividades foram transferidas para o lado direito do cérebro.


Viver com metade do cérebro

O cérebro é tão flexível que, em alguns casos, é possível viver com apenas metade dele. O neurocirurgião Dr. William Bingaman, da Cleveland Clinic, realizou mais de 500 hemisferectomias, procedimentos em que um lado do cérebro é desconectado devido a casos graves de epilepsia que não respondem a tratamentos convencionais.

Durante a cirurgia, os médicos desligam as fibras nervosas que conectam um hemisfério ao outro e ao restante do corpo, essencialmente “desligando” o lado afetado. Embora o processo de recuperação seja desafiador, muitos pacientes conseguem retomar funções importantes. Mora Leeb, por exemplo, foi submetida à hemisferectomia ainda bebê, aos 9 meses, após sofrer até 50 convulsões por dia. Ela precisou reaprender até a sorrir e rolar, mas com o apoio de terapeutas, conseguiu desenvolver habilidades motoras e de fala. Hoje, já adolescente, ela continua a falar e processar a linguagem de maneira mais lenta, mas vive de forma relativamente normal com metade do cérebro.

Dr. Bingaman comentou: “Já tive pacientes que passaram na faculdade, se casaram, tiveram filhos e vivem uma vida totalmente normal com um único hemisfério do cérebro. Como isso acontece? Não entendemos completamente.”


Partes do cérebro que não podemos viver sem

Apesar de todas essas histórias incríveis, existem algumas partes do cérebro que são essenciais para a sobrevivência. Dr. Bingaman evita desconectar estruturas como o tronco encefálico, o tálamo e os gânglios basais, pois são responsáveis por funções vitais, como a respiração, controle cardíaco, processamento sensorial e controle motor.

O tronco encefálico, por exemplo, é vital para a sobrevivência, pois controla funções básicas como respiração e batimentos cardíacos. Danos a essa região geralmente resultam em morte. Além disso, a idade da pessoa também desempenha um papel crucial na recuperação após um dano cerebral. Em crianças pequenas, as chances de recuperação são maiores, devido à plasticidade cerebral.

Ainda assim, há casos raros de pessoas que nasceram sem o cerebelo, uma parte do cérebro responsável pelo equilíbrio e coordenação motora. Uma mulher, por exemplo, viveu até os 20 anos sem saber que não tinha cerebelo, embora apresentasse dificuldades com a fala e o movimento.


Cérebros atípicos – uma nova perspectiva

Embora a maioria das pesquisas sobre o cérebro humano se concentre no modelo típico, esses casos de cérebros atípicos sugerem que há muito mais que aprender sobre a flexibilidade e a adaptabilidade do cérebro humano. Como afirmou Fedorenko, “há muito conhecimento que ainda nos falta sobre cérebros que são muito diferentes do cérebro típico, mas que conseguem manter a cognição humana sem grandes dificuldades”.

Esse campo de estudo continua a nos surpreender, mostrando que o cérebro humano é muito mais resiliente e adaptável do que imaginávamos. Enquanto os cientistas exploram mais sobre a incrível plasticidade cerebral, a mensagem é clara: embora não possamos viver sem certas partes do cérebro, nossa mente é muito mais flexível do que poderíamos supor.


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