Um neuropeptídeo com ação dupla

Um neuropeptídeo com ação dupla

Descoberto há 40 anos, o neuropeptídeo Y (NPY) é um dos neurotransmissores mais abundantes no organismo humano. Amplamente conhecido por seu papel no sistema nervoso central, onde estimula o apetite e induz o ganho de peso, o NPY também desempenha uma função singular fora do cérebro. Pesquisadores de um grupo internacional, incluindo cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), descobriram que o NPY, secretado pelos nervos periféricos, promove a formação do tecido adiposo marrom, conhecido como “gordura boa”. Este tipo de tecido consome energia para gerar calor, protegendo contra a obesidade.

Impacto do NPY no metabolismo energético

Estudos conduzidos por equipes de diferentes países, incluindo Reino Unido, Japão, China e Estados Unidos, mostraram que a ausência de NPY nos nervos periféricos causa aumento significativo no peso corporal. Camundongos geneticamente modificados para não produzir o neurotransmissor apresentaram o dobro do peso dos animais normais, mesmo com dieta equilibrada. Segundo Licio Velloso, imunologista da Unicamp e coordenador do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC), o NPY estimula a formação de adipócitos termogênicos, principais componentes do tecido adiposo marrom.

Experimentos e descobertas

Pesquisadores da Universidade de Oxford, liderados pela neurocientista Ana Domingos, mapearam os neurônios do sistema nervoso simpático que liberam o NPY. Usando anticorpos marcadores, verificaram que cerca de 40% desses neurônios conectam-se ao tecido adiposo, promovendo a formação de adipócitos termogênicos. Esses adipócitos convertem gordura em calor em resposta ao frio ou à atividade física.

“Nosso trabalho confirmou que o NPY estimula a formação do tecido adiposo marrom”, explicou Domingos. Este tecido, rico em mitocôndrias, consome entre 200 e 300 quilocalorias diárias, o equivalente a 10% da energia ingerida por uma pessoa.

Consequências da deficiência de NPY

Na Unicamp, os pesquisadores observaram que camundongos sem NPY tinham temperatura corporal mais baixa e gastavam cerca de 10% menos energia. Esses animais acumulavam gordura rapidamente, mesmo consumindo a mesma quantidade de alimento que os camundongos normais. Sob dieta hipercalórica, o ganho de peso era ainda mais acelerado.

Além disso, dietas ricas em gorduras danificavam os neurônios produtores de NPY e causavam inflamações no tecido adiposo. Segundo Ivan de Araújo, neurocientista brasileiro do Instituto Max Planck, essas descobertas sugerem novas possibilidades terapêuticas para controlar o gasto energético.

Implicações terapêuticas

As descobertas abrem caminho para o desenvolvimento de medicamentos que estimulem o metabolismo basal sem afetar o apetite. “Seria possível criar compostos que aumentassem o gasto energético e a formação de gordura marrom, complementando tratamentos baseados em análogos de GLP-1, como a semaglutida”, afirmou Domingos. Esses tratamentos atuais reduzem o apetite, mas têm efeito limitado na perda de peso devido à redução compensatória no gasto energético.

Por outro lado, desafios permanecem. “Ativar apenas as células murais é essencial para evitar efeitos adversos”, destacou Araújo. O fisiologista Jorge Ruas alertou que mais estudos são necessários para verificar a tolerância a possíveis efeitos colaterais, como aumento da temperatura corporal.

Conclusão

O estudo publicado na revista Nature reforça a importância do NPY no controle metabólico e aponta novas estratégias para combater a obesidade. A promoção do tecido adiposo marrom surge como uma alternativa promissora para estimular o gasto energético e melhorar a eficiência dos tratamentos atuais.

Células adiposas e tecido marrom

Publicado originalmente na edição impressa nº 345, de novembro de 2024.

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