Os efeitos psicológicos e sociais dos aplicativos de relacionamento

Os efeitos psicológicos e sociais dos aplicativos de relacionamento

Mireia, uma psicóloga clínica com 20 anos de experiência, atende semanalmente entre 15 e 20 pacientes. Nos últimos seis meses, ela percebeu um aumento preocupante no número de casos relacionados a aplicativos de relacionamento. Entre seus pacientes, encontram-se aqueles cujos problemas de sono estão diretamente ligados à atividade nesses aplicativos, além de indivíduos que sofrem de ansiedade desencadeada pela rejeição ou abandono nessas plataformas.

Embora o uso desses aplicativos esteja crescendo exponencialmente, surge a pergunta: é possível que o crescimento dessa nova maneira de interagir esteja superando a importância do bem-estar emocional?


Como o match afeta o cérebro?

Os aplicativos de relacionamento, como Tinder e Bumble, têm transformado a forma como as pessoas se conectam. Desde o lançamento do Grindr, em 2009, observa-se um aumento significativo na popularidade dessas ferramentas. Elas oferecem uma experiência que pode ser comparada ao consumo de drogas: cada match gera uma “recompensa” no cérebro, ativando o sistema de recompensa e liberando dopamina.

Esse sistema não apenas responde ao prazer imediato, mas também à expectativa de prazer. Isso explica por que o simples ato de esperar por um match pode gerar sensações intensas. No entanto, ainda há poucos estudos sobre os impactos psicofisiológicos dessa dinâmica.


O vício em matches: mito ou realidade?

O Tinder, um dos aplicativos mais populares, registrou mais de 70 bilhões de matches desde sua criação. Relatórios mostram que um em cada três usuários pode desenvolver um comportamento de dependência. A retirada desses aplicativos pode, inclusive, desencadear sintomas semelhantes à síndrome de abstinência.

Estudos também sugerem que a alta frequência de uso desses aplicativos está ligada a um ciclo de reforço intermitente, semelhante ao que ocorre em relações tóxicas ou no breadcrumbing — prática em que uma pessoa oferece migalhas de atenção sem compromisso.


Efeitos do unmatch e da ausência de respostas

O unmatch, que representa a rejeição explícita após um match inicial, pode causar impactos psicológicos profundos, como tristeza, baixa autoestima e pensamentos intrusivos. Já a ausência de qualquer resposta gera ansiedade antecipatória, considerada por especialistas como uma das situações mais incapacitantes.

Esse tipo de rejeição ativa regiões específicas do cérebro, como a área ventrolateral do córtex pré-frontal e a ínsula, que também estão associadas a experiências precoces de abandono.


Como gerenciar o vício?

Para evitar os efeitos negativos desses aplicativos, especialistas recomendam:

  • Estabelecer limites de tempo para o uso;
  • Reduzir expectativas em relação aos matches;
  • Buscar interações mais genuínas;
  • Conversar com amigos de confiança sobre experiências.

Caso essas estratégias não sejam suficientes, buscar ajuda psicológica pode ser essencial. Afinal, a forma como nos relacionamos mudou, mas nosso sistema nervoso ainda está se adaptando.


Os aplicativos de relacionamento vieram para ficar, mas compreender seus impactos e aprender a usá-los de maneira equilibrada é fundamental para preservar a saúde mental em meio à revolução digital.

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