O mito do uso de 10% do cérebro

O mito do uso de 10% do cérebro

O mito de que usamos apenas 10% do cérebro é uma lenda urbana amplamente difundida, que sugere que grande parte do cérebro permanece inativa, e que, caso fosse totalmente utilizado, permitiria ao ser humano desenvolver habilidades sobre-humanas. Alguns defensores dessa crença afirmam que a porção inativa do cérebro guarda funções psíquicas e psicocinéticas, além da possibilidade de percepção extrassensorial. Além disso, acredita-se que indivíduos com QI elevado, como Albert Einstein, usariam mais de 10% de seu cérebro, vinculando a inteligência diretamente à porcentagem do cérebro que é ativada.

Embora a capacidade intelectual de uma pessoa possa se expandir ao longo do tempo, a ideia de que apenas uma fração do cérebro é utilizada, enquanto o restante permanece inativo, não tem fundamento científico e é amplamente refutada pela comunidade científica. Embora ainda existam muitos aspectos do funcionamento cerebral a serem compreendidos, sabe-se que todas as regiões do cérebro desempenham funções específicas e estão ativas em diversos momentos.

Origem do Mito

Uma possível origem para o mito remonta à teoria da reserva de energia proposta pelos psicólogos William James e Boris Sidis, na década de 1890. Eles afirmavam que a maioria das pessoas não alcançava todo o seu potencial mental. James sugeriu em algumas de suas palestras públicas que as pessoas utilizam apenas uma fração de suas capacidades cognitivas. Em 1936, o escritor Lowell Thomas, ao resumir essa ideia no prefácio de Dale Carnegie em Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, incluiu uma porcentagem falsa: “O professor William James, de Harvard, costumava dizer que a maioria das pessoas desenvolve somente dez por cento da sua capacidade mental latente.”

Além disso, o mito pode ter surgido de uma interpretação incorreta de pesquisas neurológicas realizadas no final do século XIX e início do século XX. Na época, muitos cientistas ainda estavam descobrindo as funções do cérebro, especialmente das regiões do córtex, e começaram a notar que o dano a essas áreas resultava em mudanças comportamentais evidentes. Outra descoberta importante foi a função das células gliais, que eram vistas inicialmente como células auxiliares. O Dr. James W. Kalat, autor de Biological Psychology, sugere que a má compreensão das funções das células nervosas pode ter contribuído para a propagação do mito. É possível que a ideia de que “usamos apenas 10% do cérebro em qualquer momento” tenha sido distorcida ao longo do tempo.

Embora muitas funções cerebrais sejam bem compreendidas, ainda existem grandes mistérios sobre como as células cerebrais interagem para gerar comportamentos complexos. A maior incógnita talvez seja como diferentes áreas do cérebro trabalham juntas para criar a experiência consciente, já que não há evidências de um local específico para a consciência no cérebro. Especialistas acreditam que a consciência é um produto coletivo de toda a atividade neural. Portanto, embora a ideia de que o cérebro tem um vasto potencial inexplorado seja válida, ainda há muitas questões a serem respondidas.

Refutação

O neurologista Barry Gordon descreveu o mito como “ridiculamente falso”, acrescentando que “usamos virtualmente todas as partes do cérebro, e a maior parte dele está ativa quase o tempo todo.” O psicólogo Barry Beyerstein, Ph.D., listou sete evidências que refutam a ideia dos 10%:

  1. Estudos de danos cerebrais: Se 90% do cérebro fosse inutilizado, danos nessas áreas não deveriam afetar suas funções. No entanto, mesmo danos pequenos a certas regiões cerebrais podem causar consequências significativas.
  2. Evolução: O cérebro humano é muito exigente em termos de energia, consumindo até 20% do oxigênio e dos nutrientes do corpo, embora represente apenas 2% do peso corporal. Se grande parte do cérebro fosse desnecessária, haveria uma vantagem evolutiva para seres humanos com cérebros menores. Isso sugeriria que a evolução teria favorecido cérebros menores e mais eficientes, algo que não ocorre.
  3. Imagens cerebrais: Técnicas como tomografia por emissão de pósitrons (PET) e ressonância magnética funcional (fMRI) mostram que, mesmo durante o sono, todas as partes do cérebro têm algum nível de atividade. Apenas em casos de dano cerebral grave se encontram “áreas silenciosas”.
  4. Localização das funções: O cérebro não atua como uma unidade homogênea, mas possui áreas distintas para diferentes tipos de processamento de informações. Pesquisas científicas confirmam que não existem áreas de baixo funcionamento.
  5. Análise microestrutural: Técnicas como a gravação de unidades únicas permitem observar a atividade de células individuais. Se 90% do cérebro fosse inativo, isso deveria ser detectado.
  6. Doenças neurais: Células cerebrais não utilizadas tendem a se degenerar. Se 90% do cérebro fosse inativo, as autópsias de cérebros adultos mostrariam extensa degeneração em áreas não utilizadas.
  7. Argumento evolucionário: Dada a pressão seletiva sobre o tamanho do crânio durante o parto, seria altamente improvável que a evolução favorecesse cérebros grandes e ineficientes.

Em um episódio de Mythbusters (2010), os apresentadores utilizaram tecnologias como magnetoencefalografia (MEG) e ressonância magnética para observar o cérebro de uma pessoa realizando uma tarefa mental complexa. O estudo revelou que, na realidade, quase 100% do cérebro estava ativo, desmentindo o mito dos 10%.

Disseminação na Cultura Popular

Esse mito foi perpetuado por diversos livros, filmes e outras obras da cultura popular. Um exemplo notável é o romance The Dark Fields e sua adaptação cinematográfica Limitless, que criam uma história em que os 90% restantes do cérebro podem ser acessados com o uso de uma droga. Outro exemplo é The Zombie Survival Guide, que afirma que os humanos usam apenas 5% de seus cérebros, sugerindo que a expansão do potencial mental pode conferir um “sexto sentido” aos zumbis.

Outras obras, como The Lawnmower Man, Understand de Ted Chiang e o conto de Isaac Asimov, Lest We Remember, também lidam com o conceito de potencial mental expandido, embora não proponham que o cérebro seja capaz de acessar todo o seu potencial. O mito dos 10% é frequentemente citado como se fosse um fato real na mídia e nos anúncios. No episódio piloto de Heroes, um professor de genética usa essa falácia para sugerir que o cérebro humano poderia liberar superpoderes.

Alguns adeptos da filosofia da Nova Era propagam a ideia de que os 90% “não utilizados” do cérebro poderiam resultar em superpoderes ou percepção extrassensorial, embora não haja qualquer evidência científica que suporte tais afirmações.

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